A Spoonful of Wonder tinha o seu coração no sítio certo e Copycat merece alguns dos seus momentos mais emocionais, mas a mensagem final nem sempre é clara e a jogabilidade estagna aquela que poderia ser uma perspetiva diferente dentro do género.
Existe um conflito temático na narrativa de Copycat, o primeiro projeto da Spoonful of Wonder, composta pela dupla Samantha Cable e Kostia Liakhov. A aventura de Dawn em busca de um lar, depois de uma vida de desilusões com as suas famílias anteriores, procura ser uma reflexão sobre o processo de adoção e os efeitos psicológicos no momento da rejeição. A promessa de um novo lar, do conforto que não existe nas ruas e vales das cidades e aldeias, o calor da proteção e a dependência que nasce da confiança entre humano e animal. A perda desta rotina, a incompreensão perante o desaparecimento de um mundo que se julgava imutável – e para os animais, estas mudanças têm efeitos psicológicos permanentes –, é um golpe que leva a traumas e a uma incapacidade em confiar novamente naqueles que lhes prometeram segurança.
Copycat compromete-se a contar a história de Dawn, desde a sua adoção por Olive, uma senhora idosa que perdeu a sua gata anterior, até ao seu abandono durante uma sucessão de mal entendidos. Com a chegada de Dawn a casa de Olive, nós acompanhamos o seu processo de habituação e vemos a pequena gata a abandonar a sua desconfiança e a aprender a confiar na sua nova dona. Este processo mantém-se do ponto de vista de Dawn, com os seus pensamentos a ficarem espelhados pelos cenários à medida que exploramos a casa de Olive, uma escolha muito forte a nível dramático que consegue conciliar a magia da descoberta com a ingenuidade de um animal de quatro patas, agora perante um novo mundo.
O crescimento de Dawn divide-se por vários momentos de jogabilidade que reforçam a sua transformação emocional. No início, Dawn vê-se como uma gata selvagem, incapaz de confiar novamente nos humanos, sempre a tentar escapar. Através das divisões da casa, nós procuramos por uma saída, uma janela ou porta abertas, e conhecemos os pensamentos de Dawn enquanto tenta perceber quem é a sua nova dona. As pinturas inacabadas num dos quartos, os medicamentos que revelam uma doença crónica e as fotografias da família que já não está consigo. Através de Dawn, Olive também é caracterizada e ganha forma até quando não está presente.
Entre momentos de narrativa visual, Copycat desenvolve também o lado animalesco de Dawn e a procura por comida é representada como uma enorme caçada. Na sua mente, Dawn é uma pantera, feroz e mortífera, até quando só está à procura da saqueta de comida seca para colocar na sua taça. Estas sequências são retratadas como uma mistura entre sonho e imaginação, com Dawn transformada numa pantera, a correr por cenários em voxel em busca de presas – tudo isto acompanhado por um narrador que surge dos programas de televisão que tocam como ruído de fundo.
A história de Dawn entrecruza-se com a história de Olive, a sua nova dona. Olive é uma mulher mais idosa, afetada pela enfisema, agora a viver sozinha desde que perdeu o marido e com a filha a insistir que a mãe deveria mudar-se para um lar. Enquanto Dawn explora a casa, destrói objetos, pinta as patas das mais variadas cores e tenta caçar pássaros no quintal, a história de Olive torna-se mais clara. Descobrimos que Olive teve outra gata, também chamada Dawn, que fugiu durante uma das suas crises. Enquanto Olive era encaminhada para a ambulância, a porta ficou aberta e Dawn fugiu com medo. Arrependida por ter deixado a sua gata sozinha, Olive procurou suavizar a dor da perda e o seu arrependimento ao adotar uma nova gatinha. A sua saúde continua a ser entrave, mas Olive está disposta a tomar conta da nova Dawn, talvez necessitada de companhia, talvez para expiar a sua culpa.
Olive e Dawn são o centro emocional de Copycat, mas também a origem do seu conflito temático. A relação de Olive com a sua filha Mae, a possibilidade de perder a independência, fruto da sua saúde, e ter de admitir que não pode cuidar de Dawn são momentos fortes que, infelizmente, contrastam com a aventura de Dawn. Do outro lado, Dawn vê-se abandonada, o que era o seu lar agora é uma muralha impenetrável e a verdadeira Dawn, contra todas as expetativas, regressou para retomar o seu lugar ao lado de Olive. Sozinha, Dawn vê-se entregue às ruas, sempre à procura da próxima refeição, perseguida por humanos e cães como um empecilho. O amor transforma-se em ódio e numa necessidade de confronto. A solidão traz o passado ao de cima e Dawn vê-se novamente sem família, casa e amor.
O meu problema com a narrativa de Copycat é não compreender o que quer contar. As histórias de Dawn e Olive são fortes, mas em separado. Quando as tentamos conciliar ao longo da campanha, a força perde-se e não conseguimos definir qual é a mensagem da Spoonful of Wonder, fora a mais imediata: não devemos abandonar os nossos animais de estimação. O problema é que Olive é demasiado simpatizante e os seus erros são humanos, ainda que nem sempre os mais corretos. Apesar de querer proteger Dawn, Olive sabe que não será capaz. Esta é a base para um conflito emocional muito forte, mas como a Spoonful of Wonder quer conciliar ambas as partes, esta catarse torna-se impossível e o desfecho é imerecido devido a essa necessidade de conciliação. Foi esta dúvida sobre a mensagem e as várias temáticas de Copycat que me fizeram desligar emocionalmente da narrativa, apesar de ter encontrado vários momentos que, quando vistos independentemente, funcionam muito bem.
Talvez a mensagem de Copycat seja condicionada pela própria jogabilidade. Como um jogo de aventura, Copycat regela a experiência a pequenos trechos de exploração, desde a casa de Olive até aos subúrbios onde mora, e a sequências de jogabilidade que mais se assemelham a minijogos. Dawn é capaz de correr, saltar, miar e pouco mais, mantendo-se, acima de tudo, realista na forma como se movimenta. Não existem superpoderes ou habilidades especiais, e há vontade em manter a jogabilidade realista. No entanto, a interação é maioritariamente limitada a momentos pré-definidos. Fora o miar e o derrubar objetos com o seu corpo, Dawn é incapaz de abrir, fechar, subir árvores, saltar para outros animais e até lutar contra outros gatos sem o prompt necessário. Alguns momentos são totalmente limitados a QTE e a interatividade é reduzida para permitir um maior controlo narrativo – o que acaba por sufocar a exploração pelos olhos de Dawn.
A jogabilidade de Copycat rege-se também pelos momentos que apelidei como minijogos, mais lineares e com menos liberdade, do que os trechos de exploração que encontramos entre os vários capítulos. Num momento, estamos a explorar as ruelas dos subúrbios ou então a conhecer melhor o parque da cidade, sempre à procura de comida. No momento seguinte, entramos numa sequência fechada, mais restrita, onde temos de completar um objetivo pré-definido. Seja pressionar o botão no momento certo, para fazer Dawn navegar pelos cenários, seja evitarmos obstáculos enquanto corremos – em trechos que a Spoonful of Wonder até apelida como endless runners. Infelizmente, não existe variedade nestas sequências, que se repetem demasiadas vezes. As lutas contra gatos, por exemplo, são apenas QTE pouco desafiantes e é muito difícil falhar qualquer sequência do jogo. Os trechos de jogabilidade pouco evoluem e pouco aproveitam as habilidades naturais de Dawn, e o mais impressionante, é que Copycat piora assim que abandonamos a casa de Olive e exploramos o exterior. Apesar das promessas, Copycat é muito restrito, demasiado condensado, e isso sufoca também a narrativa.
Apesar de compreender a mensagem de Copycat e respeitar o trabalho da Spoonful of Wonder, ainda mais quando se trata de uma equipa de apenas duas pessoas – que certamente se inspirou em histórias pessoais para retratar Olive e Dawn -, retirei muito desta história sobre pertença. O jogo repete várias vezes que a “nossa casa é onde somos mais necessários”, mas o tema nem sempre é desenvolvido da melhor maneira e é, por vezes, até esquecido numa tentativa de não ferir suscetibilidades. Talvez me falte uma medida de comparação, já que não tenho um animal de estimação, mas posso dizer que a perceção do abandono, enquanto Dawn tenta, sem sucesso, regressar a casa de Olive é um dos momentos mais poderosos de Copycat. Mas faltava mais disso, dessa emoção, desse lado destemido em meter o dedo na ferida, nem que fosse para suplantar os problemas mecânicos e falta de polimento nos controlos.
Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Spoonful of Wonder.